sábado, 30 de maio de 2009

O SIGNIFICADO DO BARRETE FRIGIO.



É interessante que nem sempre o significado ou a intrepretação de um elemento ou de uma peça simbólica que constra de um brasão de armas é corretamente interpretado por algumas pessoas. Recentemente tive conhecimento que uma dessas peças é o Barrete Frígio, e por isso me ocorreu ser adequado fazer alguns comentários ao respeito.

O Barrete Frígio ou barrete da liberdade é uma espécie de touca ou carapuça, que era originariamente utilizada pelos moradores da Frígia, uma antiga região da Ásia Menor, onde hoje está situada a Turquia.

O Barrete Frígio foi adotado, na cor vermelha, pelos republicanos franceses que lutaram pela liberdade na França e lograram a tomar e destruir a Bastilha em 1789, a celebre fortificação dentro da cidade de Paris, culminando assim com a instalação da primeira república francesa em 1793. Lembro-me bem deste fato que tomei conhecimento durante as aulas de história geral nos anos 1954-1960, do curso ginasial e científico do Liceu de Humanidades de Campos, e a história da revolução francesa era apaixonante pois espelhava a luta pela liberdade e pelos direitos humanos.

Por essa razão, o Barrete Frígio, tornou-se um forte símbolo do regime republicano. É interessante destacar que o Estado de de Santa Catarina presta uma homenagem a essa simbologia ao utilizar o barrete frígio no desenho de seu Brasão de Armas e de sua bandeira (conforme estabelecido pela Lei Estadual Nº 975, de 23 de outubro de 1953), e similar homenagem acontece na cidade do Rio de Janeiro que ostenta o Barrete Frigio vermelho, no centro do Brasão de Armas Municipal.

Barrete Frígio (que se assemelha a uma carapuça) já figurava no Brasão de Armas do antigo Estado da Guanabara (Lei nº 384/63) e depois da fusão com o Estado do Rio de Janeiro, permanece presente no brasão da muldialmente conhecida cidade do Rio de Janeiro. Alí ele conserva a cor vermelha que era a usada pelos proclamadores da república francesa, e tem ao centro, à esquerda, um pequeno distintivo circular (botão) com as cores nacionais.

Um outro gorro do tipo do Barrete Frígio, mas semelhante ao pileus, era usado durante o Império Romano pelos antigos escravos que tinham conseguido emancipação de seus amos e cujos descendentes eram, por esta razão, considerados cidadãos do Império. Este uso é freqüentemente também considerado, devido a origem de seu significado, como um símbolo de liberdade.

Durante o século XVIII o barrete frígio vermelho ganhou também contexto de símbolo da liberdade, ao estar segurado acima no "Pólo Liberdade" durante a Guerra da Independência dos Estados Unidos da América. Atualmente, observamos que o emblema nacional da França, a "Marieanne", também veste uma boina frígia.

O Barrete Frígio, por ser símbolo da repíblica e da liberdade, é uma peça que aparece em destaque em muitos brasões de armas e bandeiras de nações, estados e cidades, como por exemplo o da República Argentina, do estado do Rio Grande do Sul, e também em brasões de muitas cidades brasileiras. Aperece em destaque no brasão de armas da cidade de Campos dos Goytacazes, que foi idealisado nos primórdios da república brasileira, que vem sendo utilizado pelos poderes executivo e legislativo, há um século. Vale lembrar, como já foi referido por muuitos cultores da história que no brasão de Campos dos Goytacazes o barrete havia sido incluído para destacar os ideais republicanos de muitos campistas que contribuiram com o movimento que proclamou a republica brasileira a 15 de novembro de 1889.
O Barrete Frígio também aparece em vários brasões de armas de diversas repúblicas latino-americanas que surgiram antes mesmo que a república brasileira fosse proclamada, sendo uma característica dos brasões de armas e das bandeiras nacionais da República da Nicarágua e da República de El Salvador. Lembro que o Barrete Frígio aparece também na Bandeira do Estado de Nova Iorque, bem como no selo oficial do Exército Norte-Americano.

Fato curioso e "sui-generis" é que algumas pessoas não conhecedoras da heráldica e do verdadeiro simbolismo de suas peças, e talvez por não estarem ao corrente com os detalhes da história mundial e como surgiram os movimentos republicanos, sem maldade, muitas vezes interpretam erroneamente o barrete frigio, confundindo-o com a touca do simpático Papai-Noel ou com aquele tipo de touca usado pelo levado Saci-Pererê, figuras imaginárias, que em nada estão relacionadas com a realidade, nem com o simbolo republicano que há séculos vem sendo representado em muitos brasões e bandeiras.

E quem é o Saci-Pererê? O Saci-Pererê é um dos personagens simpáticos e mais conhecidos do folclore brasileiro. No Brasil o Saci-Pererê possuí até um dia em sua homenagem: 31 de outubro. Provavelmente, o saci-pererê surgiu entre povos indígenas da região Sul do Brasil. Mas folclore é folclore - e está vinculado às fantasias criadas pela imaginação fértil de alguém. Se assim não fosse, e se folclore refletisse razões verdadeiras, será que os campistas pescariam ou nadariam no trecho do Rio Paraíba, perto da curva da Lapa, onde segundo folclore local, se "esconderia" o enorme "Ururau da Lapa"?
Inegavelmente que o comportamento travêsso é a marca registrada do Saci-Pererê, esse simpático personagem folclórico. Muito divertido e brincalhão, os contos dizem que o saci-pererê passa todo tempo aprontando travessuras na matas e nas casas. Assusta os viajantes, esconde os objetos domésticos, emite ruídos, assusta os cavalos e bois no pasto etc. Apesar de todas essas brincadeiras, é sabido que êle não pratica atitudes ou travessuras com o objetivo de prejudicar alguém ou de fazer o mal. Quem primeiro retratou esse personagem e de forma brilhante o consagrou na literatura infantil brasileira, foi o escritor Monteiro Lobato, onde nas suas histórias do Sítio do Pica-Pau Amarelo, o saci aparece constantemente. O Sítio do Pica-Pau Amerelo foi por anos tema de seriados da televisão brasileira, destinados às crianças, e quando criança lí sem nenhum temor os contos de Monteiro Lobato.

Apesar de toda a evolução do mundo, ainda hoje, no século XXI, vemos que fatos folclóricos muitas vezes passam a ser interpretados como fatos reais. E no caso do Saci-Pererê, que é uma figura muito popular, as lendas sobre seus feitos e "poderes sobrenaturais" que adornam suas estórias talvez poderiam até influenciar o pensamento de pessoas letradas ao combinarem o real com o imaginário - se esquecendo de dar o devido peso à verdade e à representatividade de fatos da história mundial, que nem sempre é cultivada ou entendida.
O símbolo do movimento republicano e o sangue derramado pelos franceses que regou o espirito do republicanismo mundial e que sentou as bases para a Declaração Universal dos Direitos do Homem, que hoje garante todos os nossos direitos fundamentais, como também os esforços dos forjadores das diversas repúblicas latino-americanas não pode ser esquecido. Seria lamentável se seu símbolo, a boina frígia, ficasse realmente confundida com o gorro pontiagudo do saci-pererê, que o folclore diz que lhe dá poderes mágicos, ou comparado depreciativamente com o pileus (aquela carapuça de forma oblonga), com a alegação que "essa boina repúblicana está molhada com as águas da feitiçaria, da bruxaria, e da supertição romana, espalhada pelo mundo".

A referência anterior, sobre a interpretação mística da carapuça do saci-pererê, não é de minha autoria, mas foi extraída de um interessante artigo de Luís da Câmara Cascudo, que como bem indica o autor, é um artigo sobre mitologia e folclore (Anúbis e outros ensaios: mitologia e folclore. Rio de Janeiro, Funarte, 1983), e que se encontra disponível na internet em - "Jangada Brasil: A Cara e Almas Brasileiras". Para lerem esse interessante artigo, indico a continuação o enderêço do site onde poderá ser encontrado:


Ante confusões entre a realidade histórica e a mitologia ou folclore, eu me faço as seguintes perguntas: a) Será que um símbolo do movimento republicano mundial, universalmente reconhecido, estaria perdendo sua importância, em algumas partes neste nosso Brasil de muitas faces, devido a um misticismo originado pelo comportamento de figuras imaginárias do folclore? b) Será que ao confundirem o barrete frígio com a gorra vermelha e pontiaguda do saci-pererê, estariam sugerindo que todas as nações mencionadas, estados e cidades brasileiras que orgulhosamente ostentam o "barrete frígio" em seus símbolos, como sendo lugares dominados pela feitiçaria ou bruxaria?
Eu não creio que isso seja um fato, e respeito o simbolismo repúblicano do Barrete Frígio.
Felizmente, graças a revolução francesa com seu barrete frígio, nós brasileiros herdamos a democracia republicana que nos garante a liberdade de pensamento, até para interpretar equivocadamente os próprios símbolos republicanos.

terça-feira, 26 de maio de 2009

A HERÁLDICA



Já ouviram falar em Heráldica e Vexilologia? São ciências auxiliares da Historia que estudam, respectivamente, os brasões e as bandeiras, que infelizmente raras pessoas as estudam no Brasil.

Este Blog está destinado à Heráldica. Procurarei aqui compartilhar com os leitores alguns pontos referentes a Heráldica (Familiar, de Domínio e Eclesiástica).

A Heráldica é a ciência que estuda e interpreta as origens, evolução, significado social e simbólico, filosofia própria, valor documental e a finalidade da representação icônica dos escudos de armas. Mas não se preocupem saber, desde já, o que é a Heráldica, palavra um tanto enigmática. Procure antes de tudo, olhar e reparar se aquilo que nos rodeia pode de algum modo, conduzir a uma visão heráldica do mundo moderno.

Um país se torna forte e respeitado, quando seu povo conhece, entende, divulga e defende os seus princípios e valores, representados pelos símbolos nacionais, estaduais e municipais.

Lamentavelmente, grande parte da população desconhece os símbolos cívicos do seu próprio município, que muitas vezes foram elaborados por artistas que não possuíam nenhuma noção da Heráldica e da Vexilologia, o que faz com que erros sejam encontrados nos brasões de armas de grande parte dos municípios brasileiros.

Para a composição de um brasão de armas, é necessário obedecer a regras e leis que são universalmente aceitas e que regem toda a sistematização da heráldica. Uma destas leis diz respeito ao brasão, que é composto pelo escudo de armas - a peça mais importante – com seus elementos internos e os ornamentos externos (listel com sua divisa, e seus tenentes ou apoios).

Para o uso das cores nos brasões, a heráldica estabelece o emprego de um reduzido número de tintas. As tintas, ou esmaltes, são divididos em três grupos: metais (ouro e prata), cores (goles/vermelho, bláu/azul, sinople/verde, sable/preto e púrpura) e peles (arminho, veiro, contra-armarinho, contra-veiro, arminhado). Os esmaltes não têm um significado simbólico fixo e nem pré-determinado, mas não se usa, no escudo, metal sobre metal, nem cor sobre cor.

A ocorrência de tantos símbolos municipais fora dos padrões pode ser atribuída à falta de livros e cursos sobre a ciência heráldica no país. Poucas são as pessoas no Brasil que conhecem as normas heráldicas e as leis que instituem os símbolos cívicos.

A interpretação do simbolismo das peças e esmaltes que compõem um brasão tem que ser feita conforme originalmente determinado no ato de sua criação, já que simbolismo é tema subjetivo. Um escudo de forma circular ou elíptica, por exemplo, que seria um símbolo heráldico da “eternidade” porque se trata de uma figura geométrica que não tem princípio nem fim, erradamente alguém poderia dizer que seria a indicação de prisão ou falta de liberdade; a cor branca, que é símbolo de paz, amizade, trabalho, prosperidade, e pureza, mas ela poderia ser interpretada completamente ao contrário, por alguém sem conhecimento heráldico.

Muitos outros casos poderiam ocorrer: como com o barrete frígio, o símbolo, por excelência, dos movimentos republicanos, do respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades individuais, que, por desconhecimento, poderia até ser visto como a antiga touca de dormir, que se vê em programas humorísticos, ou mesmo como a touca que dava poderes mágicos a personagens do folclore, como o saci-pererê, figura simpática do folclore brasileiro, ou o fradinho da mão furada, no folclore português.
Em muitos contos europeus existem outras carapuças que dão invisibilidade. Por outro lado, os elmos, peça da armaria e figura essencial nos brasões familiares, poderiam, equivocadamente, ser interpretado como representativo do mitológico elmo de Perseu que o tornou invisível aos olhos das górgonas. Infelizmente até a cruz de Cristo poderia ser interpretada erroneamente.

Para que os símbolos heráldicos estejam de acordo com o que estabelece a ciência heráldica, é necessário que sua concepção seja feita por um profissional da área: o heraldista. Infelizmente isso nem sempre acontece. O Brasão principesco que está ilustrado no inicio deste artigo foi desenhado pelo heraldista Raul Breno Marquardt.
Termino este artigo com um exemplo de armas de domínio - o belo Brasão de Armas da Cidade do Rio de Janeiro, com a explicação de suas peças.